Faltam alguns minutos para a meia noite. Você deita na cama para dormir, prepara tudo, o ambiente está perfeito. E pensa: “hum...vou dar uma olhadinha no celular e tentar responder algumas mensagens pendentes. Ou melhor, vou aproveitar e montar minha agenda para amanhã. Ah! Lembrei. Tenho que levar meu filho ao médico, fazer mercado. No trabalho, tem alguns relatórios para terminar... Acho que aquele cliente está precisando de uma ajuda. Gente, preciso fazer os pagamentos do mês. Blá, blá, blá, blá ...”. Opa! Mas, e aquele acordo de relaxar por um momento e não pensar em nada? Grande parte das pessoas, sobretudo, das mulheres se reconhece em situações como essa. Por mais que se deseje uma desconexão, a cabeça não para um segundo. É cada vez mais difícil se desligar de tudo, desacelerar o pensamento, as emoções, aquietar o coração em tempos em que somos bombardeados por informações que chegam por segundo ao nosso alcance. Como seria possível impor limites, equilibrar os pensamentos e emoções para não se tornar um “prisioneiro da mente”? Augusto Cury, médico psiquiatra, professor e um dos escritores brasileiros mais lidos nas últimas duas décadas, em seu livro Ansiedade: Como enfrentar o mal do século, adverte: “Pensar é bom, pensar com lucidez é ótimo, porém pensar demais é uma bomba contra a saúde psíquica, o prazer de viver e a criatividade”.

De acordo com Cury, para muitos, o mal da atualidade seria a depressão. No entanto, existe talvez um mal ainda mais grave e, ao mesmo tempo, mais sutil, não tão perceptível: A ansiedade decorrente da Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA). Segundo Dra. Fabiana Nery, médica psiquiatra, Doutora em medicina e saúde e professora da Faculdade de Medicina da UFBA, a Síndrome do Pensamento Acelerado comumente está presente no Transtorno da Ansiedade Generalizada (TAG): um dos transtornos de ansiedade mais prevalentes, cuja característica essencial é uma ansiedade ou preocupação exagerada que pode abranger diversos eventos ou atividades de vida. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), no mundo a taxa de prevalência do Transtorno da Ansiedade Generalizada (TAG) anual ocorre entre 10% e 15%, sendo quatro vezes mais frequente que o Transtorno de Pânico. Em um dos estudos realizados, 80% dos pacientes com TAG tiveram ao menos um outro transtorno de ansiedade durante a vida, e 7% tiveram depressão maior. Apesar da recorrência em todas as faixas etárias, o TAG é comumente diagnosticado na idade adulta, em especial, entre as mulheres, numa proporção de dois para um em relação aos homens. “Os pacientes chegam à atenção dos médicos por volta dos 20 anos e apenas 1/3 dos pacientes com TAG busca o tratamento psiquiátrico. Muitos procuram clínicos gerais, cardiologistas, pneumologistas em busca de um tratamento somático do transtorno”, destaca a psiquiatra.

ENTÃO, SPA É UMA DOENÇA, OU NÃO?!

A Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA) é um conjunto de sintomas secundários aos transtornos de ansiedade. Augusto Cury chama atenção inclusive para certa dificuldade por parte dos especialistas de chegarem a um diagnóstico preciso quando pacientes recorrem aos seus consultórios com uma série de queixas, dentre elas, a dificuldade de concentração e irritabilidade - encaradas por muitos como “normais”. Entre as principais características de uma pessoa com SPA estão a ansiedade; dificuldade para se concentrar; pequenos lapsos de memória de forma frequente; cansaço excessivo; dificuldade para pegar no sono; irritabilidade fácil; não conseguir descansar o suficiente e acordar cansado; inquietação; intolerância ao ser contrariado; mudança de humor repentina; insatisfação constante; além de sintomas psicossomáticos como dor de cabeça, dores nos músculos, queda de cabelo e gastrite.

Como aponta Dra. Fabiana Nery, “não se trata de um novo transtorno ou diagnóstico, mas um grupo de sintomas que comumente se apresentam em conjunto durante quadros de ansiedade”. Também é comum a sensação de que as 24 horas do dia não são suficientes para fazer tudo o que deseja. As horas, os minutos são tomados por um turbilhão de tarefas e ocupam a mente sem cessar. Quando menos se espera, somos capturados pelas armadilhas do nosso inconsciente.

De acordo com Cury, “embora não haja uma classificação rígida, empiricamente podemos dizer que quem tem pelo menos três a quatro sintomas deve mudar rapidamente seu estilo de vida”. Sobre a suposta liberdade da mente humana, o autor de vários best sellers - como o romance Armadilhas da mente - afirma: “Achávamos que tínhamos liberdade plena de construir nossos pensamentos. Há fenômenos inconscientes que produzem pensamentos sem a autorização do Eu. Um deles é o gatilho da memória, que abre milhares de janelas na nossa mente”. Como consequência, o “Eu imaturo” não consegue se desvencilhar de nossos medos, obsessões, por exemplo. Ainda de acordo com Cury, para viver dias felizes e saudáveis é preciso entender que o que está registrado não pode ser deletado, uma vez que o processo psicoterapêutico psiquiátrico não é mecânico. Salvo exceções que se referem aos pacientes acometidos por processos como AVC, tumor cerebral e o mal de Alzheimer.

preocupação e medo extremos em situações simples da rotina, além de alguns sintomas físicos. O que atrapalha suas atividades cotidianas, já que eles são difíceis de controlar. “A ansiedade é algo muito próximo da preocupação. Esta, por sua vez, nada mais é do que um aspecto do medo, um temor de que as coisas não saiam como nós gostaríamos. Todos esses componentes são necessários para a nossa evolução e sobrevivência. O que não pode ocorrer é um exagero de qualquer um deles”, ressalta. O tempo prolongado de ansiedade (a chamada ansiedade crônica) aumenta o nível de tensão e o estresse interno e pode levar ao surgimento do medo específico ou até mesmo irreal. Nesses casos, a ajuda de um especialista é fundamental para um tratamento adequado. Há pessoas que acreditam que mudar de cidade ou país, voltar para o interior (fugindo da correria das cidades grandes) seriam soluções interessantes para acalmar a mente. Porém, após a mudança, a efervescência do pensamento continua. “A mudança de ambiente trará pouca melhora sem o tratamento adequado dos sintomas ansiosos. O ideal é procurar ajuda médica a partir do momento em que o distúrbio de ansiedade produzir algum tipo de desprazer ou sofrimento, interferindo negativamente na qualidade de vida”, reforça Dra. Fabiana Nery. Muitas pessoas costumam, até mesmo, ter dúvidas em relação à busca do profissional, que pode ser um psicólogo ou um psiquiatra.

Os sintomas de ansiedade e a gestão adequada das emoções e do comportamento, a depender da intensidade dos sintomas, podem ser tratados e aperfeiçoados através do acompanhamento psicoterápico, que pode incluir medicações ansiolíticas, psicoterapia ou uma combinação de ambas, além da adoção de hábitos saudáveis (sono regular, alimentação balanceada, atividade física). De acordo com a psiquiatra, “as linhas terapêuticas com maior evidência de resposta positiva são a terapia cógnito-comportamental, terapia comportamental e a terapia baseada em mindfullness. Esta última tem sido bastante eficiente. Mindfulness (atenção ou consciência plena) é uma técnica que pretende conectar ação e pensamento, permitindo uma maior consciência e controle sobre nossas ações, emoções e pensamentos através do controle da respiração, da percepção do corpo no momento das refeições e caminhadas, da observação do que está ao seu redor, sempre dando tempo ao tempo.

AUTOANÁLISE PARA SUA ANSIEDADE

Pare um pouquinho e pense se, de alguma forma, os fatores abaixo estão presentes na sua vida. Essa reflexão é um passo inicial importante a considerar para uma distinção entre ansiedade normal e ansiedade generalizada: