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PERIGO: RELAÇÕES TÓXICAS

Como detectar relações que "sugam" e se livrar dos chamados "vampiros emocionais"?

Um jogo de dominação, submissão, dor e vulnerabilidade, no qual ninguém sai ganhando. Talvez essa seja uma definição bem simplificada, mas referencial, para as relações “que sugam”, ou relações tóxicas, como são conhecidas na Psicologia.

Estereotipada no mais famoso relacionamento sadomasoquista dos últimos tempos, a relação entre o poderoso empresário Mr. Grey e a estudante ingênua Anastasia (desenhada com detalhes na trilogia Cinquenta Tons de Cinza), a relação tóxica acontece em qualquer tipo de ambiente, seja familiar, social ou profissional, e pode causar prejuízos emocionais e até físicos para quem a protagoniza.

Um exemplo claro de relação tóxica é o de mães superprotetoras, mães estas que pautadas pelo “excesso de amor” cerceiam o crescimento e a liberdade dos filhos, alimentando assim a sua dependência, tornando-os pessoas inseguras para tomar as próprias decisões. Nas relações de trabalho, podemos citar os chefes que desvalorizam o trabalho do profissional e que através da subjugação, minimizam a autonomia destes. Outro exemplo no âmbito profissional são as lideranças negativas, que através do descontrole emocional geram relações de medo. Nos relacionamentos de caráter afetivo, modelos estes em que há uma demonstração de ciúmes exacerbada, há o impedimento da liberdade do outro ou a sua desvalorização - tanto física quanto emocional, causando assim uma baixa autoestima em um dos pares.

 

Entre a cruz e a espada

Nessa relação de manipulação, sofrimento, culpa e ausência de equilíbrio, quem dá as cartas normalmente é quem menos se importa com o outro. O “sugador” cultiva a habilidade de controlar e, assim como os vampiros, age nas sombras. Eles costumam isolar a pessoa “sugada”, blindando- a de críticas que possam alertá-la sobre a forma como a está tratando. Sob a ameaça de perdê-lo, a pessoa “sugada” acaba se submetendo aos seus caprichos.

“Os ditos “vampiros emocionais” são pessoas que nas relações tóxicas podem enfraquecer a autoestima do seu parceiro, para que assim se sintam mais fortes. Por exemplo, são pessoas que embora não estando confiantes de si mesmos apontam defeitos e erros do outro, para se sentirem melhor”, explica a psicóloga Dora Marinho. Segundo a especialista, estes também podem colocar-se no lugar de “vítima”, demandando do outro a escuta, a atenção e cuidados excessivos, que algumas vezes geram no outro a culpa pelo não cumprimento desta função de cuidador.

Cordão umbilical

Nossa existência é entrelaçada com a existência de pessoas a quem amamos. Inicialmente nosso primeiro núcleo social, a família, posteriormente os amigos e os relacionamentos afetivos. Relações estas que nos fazem crescer e nos reconhecermos enquanto indivíduos. “As relações tóxicas são consideradas aquelas em que um indivíduo, no exercício do afeto, perde-se de sua individualidade, dos seus valores e de si mesmo, pelo desejo da manutenção da relação com o outro”, ressalta Marinho.

De acordo com o psicanalista Aurélio Souza, de alguma maneira, todas as relações trazem algo das relações tóxicas. “Desde o início da 

existência do sujeito, a primeira condição estrutural a se considerar é que ele é um objeto do desejo da Mãe, um desejo inconsciente e sob uma condição marcada por diferentes ficções, amores e uma ignorância do que se passa na singularidade dessa relação, da mãe com seu “produto””. O especialista explica que, embora o cordão umbilical tenha sido cortado e ocorra uma separação entre eles, essa condição não acontece de uma maneira tão simples, pois o que tem que ser avaliado não corresponde à mãe da realidade, a genitora, mas dessa implicação de seu desejo e o objeto de seu desejo, que buscará manter seu produto sempre disponível para ela. Seria uma condição inconsciente.

Segundo Aurélio Souza, isso tende a se repetir nas relações amorosas, reproduzindo elementos de natureza simbólica que se constroem desde o início de sua história. O indivíduo sofre também efeitos de uma dimensão imaginária que faz parte de sua estrutura, determinando a imagem com a qual vai se olhar no espelho e que vai levá-lo a estabelecer laços amorosos, sempre acompanhados pelo ódio e a ignorância, numa mesma onda, como “paixões do Ser”. “Cada um procura desde cedo ser um objetopara o “desejo do Outro”, um Outro que ele constrói, que pode ser representado por papai e mamãe, por Deus, e por companheiros; é a partir daí, que ele espera ser cuidado, amado e desejado”, declara o psicanalista. Assim, qualquer relação entre os seres sexuados, pais e filhos, marido e mulher, amantes, namorados, amigos…, embora na aparência, no social, elas aconteçam e se desenvolvam entre pessoas, quando consideramos estas condições a partir da prática analítica, o que acontece é sempre a relação de um Sujeito e o outro na posição de um “objeto”, cada um ocupando duas posições, a de desejante e a de desejado; ou melhor de se fazer desejar.

 

Um vício mútuo

As causas pelo qual uma pessoa se submete a uma relação tóxica não são definidas. “Costumamos perceber que indivíduos com pouco autoconhecimento e baixa autoestima, estão mais sujeitos a estes padrões de relação”, destaca a psicóloga Dora Marinho. “Mas, hoje percebo que pela dificuldade de estabelecerem-se relações seguras e estáveis, pelo caráter da liquidez que o amor vem sendo tomado, as pessoas têm se submetido a experiências desconfortáveis e dolorosas pelo valor de estar em um relacionamento e não inteiramente sós, em confronto com o próprio eu”, completa.

A pessoa, que dentro de uma relação ocupa o lugar de passividade, pode sofrer impactos significativos em sua vida. De acordo com Marinho, levando em consideração que neste relacionamento perdem-se traços da sua identidade, o indivíduo passa a não orientar a sua própria vida pelos seus propósitos e desejos, que podem refletir no aparecimento de sintomas da ansiedade e depressão, processos patológicos nos quais o indivíduo tem a visão do sofrimento da relação, mas não consegue desvencilhar- se destes padrões, quando tomado pelo desejo de satisfação da demanda do outro.

O psicanalista Aurélio Souza vai além. Segundo ele, embora no social o “sugador” possa aparecer do lado mal, muitas vezes, fora da lei, com perversidade nas relações, contra a cultura, no entanto, quando estas condições são trabalhadas na análise, aparece muitas vezes, o lado do seu sofrimento, da sua dor, como um traço que se repete em muitas outras condições, sem que ele possa evitar isso. “O que é importante, ainda, a se considerar, é que normalmente a cena montada para que aconteça a “sugação”, ela é produzida pelo sugado”, destaca.

Em geral, na dupla “sugador e sugado”, eles se mantêm ignorantes disso, sendo necessária uma análise, para fazê-los descobrir a condição de seu desejo, para se fazer maltratar, “se fazer sugar”. O psicanalista ressalta que, para que essa montagem seja alterada, não adianta se dizer a um ou ao outro para não fazerem isso, que não é certo, ou muitas outras coisas. “Isso mantém e fortalece essa montagem “sugador - sugado”, ou ainda, com uma expressão na cultura, uma relação sadomasoquista”, completa.

 

Antídoto

Que os relacionamentos tendem sempre a ser difíceis e, quanto mais próxima e íntima for a relação, mais difícil se torna, todo mundo sabe. Mas quando passa a atormentar o indivíduo e a minar sua autoestima, é hora de dar um freio. E isso tem que ser feito logo no início dos primeiros “sintomas”. Quem é manipulado tem seus sentimentos embaralhados e muitas vezes não consegue enxergar com clareza a situação, menos ainda ver uma luz no fim do túnel. Por isso é preciso, sobretudo, se valorizar e perceber até onde as relações são saudáveis e valem a pena.

“Vivemos num mundo de exigências e possibilidades, crescimento pessoal e profissional. Acredito que se conseguirmos focar na nossa individualidade e no nosso autoconhecimento possibilitaremos encontros em relações afetivas mais saudáveis”, orienta a psicóloga Dora Marinho. “Não nos perdendo de que somos seres sociais, nascemos de um outro e somos fruto da relação entre dois indivíduos, termos claro que cada um de nós é um, torna a relação mais rica. É a possibilidade da soma das individualidades. Libertar-se de uma relação tóxica é fazer, sobretudo, o exercício do amor próprio”, conclui.

 

 



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